quarta-feira, 30 de setembro de 2009

adorno e sua minima



"Wer Keine Heimat mehr hat,
dem wird wohl gar das Schreiben zum Wohnen."


[A quem não resta nenhuma casa,
a escritura torna-se um lugar para se habitar.]
Theodor W. Adorno

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

escrever além de poder



Roland Barthes: “nunca posso falar senão recolhendo aquilo que se arrasta na língua”.

Sempre me inquieta essa afirmativa de Barthes, mas aos joelhos da escritura, na permissão doada pela diferença da linguagem, dispo meu texto das máscaras e coibo, assim, toda reição insatisfeita de seu lugar. O local da escritura é o alhures da incorporação do sujeito no gozo, como metáfora. Dessa forma, além da servidão, estamos aquém da totalidade e do Absoluto. Não intento uma dialética da escritura, por ser isso já uma quebra do enunciável pela incerteza, por essa intimidade necessária com as palavras. A história se arrasta na língua, mas os rastros descartam a possibilidade de grafo direto, interno e servil. Estancar-se no rastro deixa se escrever como subtração da razão política, para se pôr novamente em guerra (pólemos) contra um gregarismo assertivo. Preciso antes de um deslocar-se, destopicalizar, muito aquém de uma utopia. Destopicamente, o texto poético é aquele que sobrevive na ação de um sujeito, em prática com sua escritura, sua atualização e encruzilhada. Deixa assim assinado: "So thou, being rich in Will, add to thy Will / One will of mine, to make thy large Will more: / Let no unkind, no fair beseechers kill; / Think all but one, and me in that one Will." O agitador de cenas (shake-scene, como propôs Robert Greene) sabia bem fazer arder desejosamente seu nome, no cruzar da língua e do arrastRar de sua escritura.

domingo, 13 de setembro de 2009

obscura claridade de Darwich


"A origem da poesia é sem dúvida uma só: a identidade do homem, desde o passado do seu exílio até ao seu presente exilado.

A poesia nasceu dos primeiros assombros perante a vida, quando a humanidade nascente se interrogou sobre os primeiros mistérios da existência. Foi assim que o universal se tornou, desde as origens, local.

Nesta viagem comum a todos, entre o ser e o universo, nesta viagem feita de uma multiplicidade de línguas, de lugares e níveis de evolução, a experiência poética da humanidade unifica-se e alcança uma universalidade liberta do domínio da 'metrópole' e da submissão das 'províncias'.

(...)

Que significa o fato de eu dizer que a minha poesia vem dum país no qual a relação entre o tempo e o lugar se rompeu, duma pátria em que as crianças se transformaram em fantasmas?

É só uma maneira de dizer as dificuldades da modernidade árabe em marcha, da tribo cujas tendas se volatilizaram em direção à cidade que ainda não nasceu.

A obscuridade não é o objetivo da poesia. Ela nasce, porém, da tensão entre o movimento do poema e o pensamento que o poema põe em movimento, da tensão entre o seu estado de prosa e o seu estado de ritmo. E essa parte obscura, comparável às evocações das sombras, é uma das formas do combate entre a língua poética e a realidade que a poesia, na busca das sua essência, já não se contenta em descrever. Talvez essa parte obscura seja precisamente o espaço aberto diante do leitor que, liberto duma mensagem definitiva, dotado da capacidade de ler e interpretar, possa então dar ao poema uma segunda vida."


Mahmoud Darwich

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

I wander with Whit man


Há um verso de Whitman que diz, celebrando o si mesmo: "The sound of the belched words of my voice... words loosed to the eddies of the wind". Nesse som ameno-amaro, deixado perdido, toda compreensão do poema pode ser deixada por terra, em uma falange de possibilidades e respiros. Como uma sinuosidade, o poema se desloca entre as batentes e oferece um primeiro sopro das origens. Nada é posto aqui em termos, há apenas pronúncia, de fios. Entretecidos entre o devir e o deixar-se na insignificância dos "milagres". Assim, cada parte da palavra é um aroma conduzindo o equilíbrio e uma sentença. O que se deixa sabido? Desperto, entre riachos, o poeta oferece-se como bote e sombra, como um terço da prova, da espera. Talvez poderia pensar na Stimmung da lírica (ou aquela de Stockhausen!): harmonia e hora homônima. O som arrotado do mim, oblíquo.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

bibliotecas conjecturadas (7): "Íon"


"É o que me disponho a fazer, Ião, para explicar-te o que me parece ser a causa do que dizes. O dom de falares com facilidade de Homero, conforme concluí há pouco, nao é efeito da arte, porém resulta de uma força divina que te agita, semelhante à força da pedra que Eurípides denomia magnética e que é mais conhecida como pedra de Héracles. Porque essa pedra não somente tem o poder de atrair anéis de ferro, como comunica a todos eles a mesma propriedade, deixando-os capazes de atuar como a própria pedra e de atrair outros anéis, a ponto de, por vezes, formar-se uma cadeia longa de anéis e de pedaços de ferro, pendentes uns dos outros; e todos tiram essa força da pedra. Do mesmo modo, as Musas deixam os homens inspirados, comunicando-se o entusiasmo destes a outras pessoas, que passam a formar cadeias de inspirados. Porque os verdadeiros poetas, os criadores das antigas epopeias, não compuseram seus belos poemas como técnicos, porém como inspirados e possuídos, o mesmo acontecendo com os bons poetas líricos. Iguais nesse particular aos coribantes, que só dançam quando estão fora do juízo, do mesmo modo os poetas líricos ficam fora de si próprios ao comporem seus poemas; quando saturados de harmonia e de ritmo, mostram-se tomados de furor igual ao das bacantes, que só no estado de embriaguez característica colhem dos rios leite e mel, deixando de fazê-lo quando recuperam o juízo. O mesmo se dá com a alma do poeta lírico, como eles próprios relatam. Dizem-nos os poetas, justamente, que é de certas fontes de mel dos jardins e vergéis das Musas que eles nos trazem suas canções, tal como abelas, adejando daqui para ali do mesmo modo que elas. E só dizem a verdade. Porque o poeta é um ser alado e sagrado, todo leveza, e somente capaz de compor quando saturado do deus e fora do juízo, e no ponto, até, em que perde de todo o senso."

(Platão)

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Ler Platão é ser incitado à revolta. Em um primeiro plano, tudo o que diz ironicamente Sócrates pode ser considerado como verdade filosófica, mas, sendo irônico o discurso, decorre daí todo o desmoronamento do saber aquém do poético. Coloca-nos na revolta por isso, estamos fora também - como o rapsodo Íon - do uso diário com a linguagem. Ponho-me em crise com a linguagem, pois não mais sei se é irônico o dizer do homem - uma busca intransitiva pela negação -, se é divino falar no homem - e assim, seríamos transporte, metáfora e analogia de uma outra metafísica -, ou ainda se é humana a afirmação do poético. Platão nos coloca, em dialogia, o problema de onde habita a identidade imantada do homem no poético. Dessa forma, toda leitura de diálogo deve conceber que há um deslocamento que atinge o ouvinte e o produtor. Nesse deslocar-se os sentidos são expostos à prova e colocados em estado de perda, necessária, à ação do discurso em si, no cerne do convívio. Desloca-se para trazer o intermédio da habitação, fora da técnica, dentro da técnica. Assim, Platão revela a revolta do sentido e do sentimento, justo naquilo que o discurso poemático de seus diálogos pode, ele também, nos conduzir a uma perda do juízo, pela imaginação e ficcionalidade.