sexta-feira, 7 de agosto de 2009

arkhé (do trauma)

E outros termos: qual o sentido do trauma? É desse ponto que parto. A forma de usar do trauma, naquilo que ele não permite ser, em linguagem. Ou ainda, de outra forma: todo início é já um trauma deixado, pré-moldado, às margens do reflexo, do umbigo. O deserto do umbigo é o sonho sem sentido. Ainda buscando a forma desse reclinar. Assim, o trauma não diz, ele apenas repete, à exaustão o silêncio mutilante daquele início. Penso como os povos da África podem sobreviver se estão fadados a calar. Sua recordação é antes de tudo uma vau, sem provisões. A matula do mundo. O horror que de lá provém não é santo. Aliás o homem e seu sintoma não são santos quando dependem da subsistência ao horror dos credos. Desmaiam de ver. Coetzee prefere não mostrar o quarto de Lucy, não carrega a luz com ele. Aquela palavra enraizada que não surge pode ser o silêncio deixado, na margem de uma leitura do horror. A cântica do nascer é a mesma dos cinamomos, da jasmineira; mas talvez ali não haja apenas odores, há pestilências. Enquanto o sujeito sofre seu abrupto corte de fluxo, ali naquele nada, naquela negação de lago, o silêncio é afronta deixada, marca sem memória, solstício que não reabre as flores.
Deixo-os com um texto de Ana Paula Tavares, o que é já do trauma.
"O risco na pele
acende a noite
enquanto a lua
(por ironia)ilumina o esgoto
anuncia o canto dos gatos
De quantos partos se vive
para quantos partos se morre.
Um grito espeta-se faca
na garganta da noite
recortada sobre o tempo
pintada de cicatrizes
olhos secos de lágrimas
Dominga, organiza a cerveja
de sobreviver os dias."

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