quarta-feira, 12 de agosto de 2009

bibliotecas conjecturadas (3): "lituraterre"


“Le ruissellement est bouquet du trait premier et de ce qui l'efface. Je l'ai dit: c'est de leur conjonction qu'il se fait sujet, mais de ce que s'y marquent deux temps. Il y faut donc que s'y distingue la rature.
Rature d'aucune trace qui soit d'avant, c'est ce qui fait terre du littoral.
Litura pure, c'est le littéral. La produire, c'est reproduire cette moitié sans paire dont le sujet subsiste. Tel est l'exploit de la calligraphie. Essayez de faire cette barre horizontale qui se trace de gauche à droite pour figurer d'un trait l'un unaire comme caractère, vous mettrez longtemps à trouver de quel appui elle s'attaque, de quel suspens elle s'arrête. À vrai dire, c'est sans espoir pour un occidenté.
Il y faut un train qui ne s'attrape qu'à se détacher de quoi que ce soit qui vous raye.
Entre centre et absence, entre savoir et jouissance, il y a littoral qui ne vire au littéral qu'à ce que ce virage, vous puissiez le prendre le même à tout instant. C'est de ça seulement que vous pouvez vous tenir pour agent qui le soutienne.
Ce qui se révèle de ma vision du ruissellement, à ce qu'y domine la rature, c'est qu'à se produire d'entre les nuages, elle se conjugue à sa source, que c'est bien aux nuées qu'Aristophane me hèle de trouver ce qu'il en est du signifiant: soit le semblant, par excellence, si c'est de sa rupture qu'en pleut, effet à ce qu'il s'en précipite, ce qui y était matière en suspension.”


["O escoamento é a finalização do traço primário e daquilo que o apaga. Eu o disse: é pela conjunção deles que ele se faz sujeito, mas por aí se marcarem dois tempos. É preciso, pois, que se distinga nisso a rasura.
Rasura de um traço qualquer que tenha existido antes, é isso que do litoral faz terra. Litura pura é o literal. Produzi-la é reproduzir essa metade ímpar com que o sujeito subsiste. É essa a façanha da caligrafia. Tentem fazer essa barra horizontal que é traçada da esquerda para a direita, para representar com um traço o um unário como caractere, e vocês levarão muito tempo para descobrir com que apoio ela se imprime, com que suspensão ela se detém. A bem da verdade, não há chance para um ocidentalizado.
É preciso uma aptidão que só consegue quem se desliga de seja lá o que for que o entrava.
Entre centro e ausência, entre saber e gozo, existe litoral que só vira literal quando, essa virada, vocês podem tomá-la, a mesma, a todo instante. É somente a partir daí que podem tomar-se pelo agente que a sustenta.
O que se revela por minha visão do escoamento, no que nele a rasura predomina, é que, ao se produzir por entre as nuvens, ela se conjuga com sua fonte, pois que é justamente nas nuvens que Aristófanes me conclama a descobrir o que acontece com o significante: ou seja, o semblante por excelência, se é de sua ruptura que chove, efeito em que isso se precipita, o que era matéria em suspensão."]

(Jacques Lacan)


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Ler Jacques Lacan é suspender o saber para um litoral. Ir ao encontro da areia, como quem se despe de sua argamassa de passados. Na rasura, o texto constrói-se adentrado, fremindo o exposto do sujeito. Assim, escoa a água dessa nuvem - Nuvoletta - que é já o fluxo do traço caligrafado. A viagem de Lacan ao extremo oriente o coloca no problema do semblante e, com isso, onde há o discurso para além do semblante. A escuta silenciosa - muito mais adentro do analista - converte-se em instrumento interpretável. O que se suspende é esse litora que é já a carta/letra (letter), mas também o lixo (litter), o postergar da entrega, a perda na diferença do envio. No traço/rastro primeiro a significação torna-se traçado desse horizonte da inscrição, do sujeito em sua metáfora. Deixar-se ao saber do inconsciente é revelar esse saber não-sabido, uma razão na incognoscibilidade. Sem íncolas, à deriva da escrita. Se não rio é que me mantenho à ria. São dos braços a profundeza do raso literal. Daqui prostram-se aqueles que ao lerem, o ilegível, escrevem mais além.

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